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ACÓRDÃO N.º 1002/2025

PROCESSO N.º 1245-A/2024

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO

SOLMACRY EMPREENDIMENTOS, Lda., melhor identificada nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido, a 20 de Junho de 2024, pela Câmara do Cível, Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Trabalho, Família e Justiça Juvenil do Tribunal da Relação de Benguela, que, no âmbito do Processo n.º 51/2023, negou provimento ao recurso ordinário, confirmando a Decisão do Tribunal a quo, de rejeição e improcedência dos embargos.

A Recorrente inconformada com o Acórdão sindicado, regularmente notificada, deduziu as suas alegações invocando, essencialmente, que:

  1. Foi notificada do Acórdão recorrido que negou provimento ao recurso de agravo com fundamento de que os factos alegados não se enquadram nos conceitos de ilegalidade e de falsidade do título executivo.
  2. Como é de conhecimento, a oposição à execução por embargo tem natureza incidental e, por finalidade, a anulação total ou parcial do processo de execução fiscal pelo tribunal, podendo ter como base fundamentos supervenientes, cuja prova pode ser documental ou testemunhal (vide artigos 74.º e 83.º do Código das Execuções Fiscais (CEF).
  3. Resulta dos artigos 74.º e 83.º do CEF, de que a admissão de fundamentos supervenientes e apresentação de prova documental e testemunhal tornam admissíveis a apreciação da legalidade em concreto da dívida exequenda, sendo claro que a oposição é um meio processual de defesa contra o acto de liquidação de que derivou o suposto crédito.
  4. Dito de outro modo, a oposição é como uma acção executiva enxertada no processo executivo, porquanto a legalidade pode ser aferida quer em concreto quer em abstracto.
  5. Mais ainda, pode entender-se a oposição como meio processual através do qual o executado pode colocar em crise a execução. Esta oposição, quanto a sua forma externa, é uma petição e internamente configura-se como uma contestação.
  6. Por outro lado, é um acto jurídico de oposição, caracterizando-se enquanto meio processual como um direito de resistência que se concretiza na autodefesa dos particulares, no controlo dos actos públicos e faculta aos mesmos a possibilidade de não cederem a quaisquer ordens que lesam as suas garantias estruturantes.
  7. As facturas que foram anexas ao processo de oposição à execução por embargos, revelam que o título executivo foi emitido em consequência de um acto ilegal.
  8. Os fundamentos invocados não podem ser tidos como mera manifestação de insatisfação a respeito da liquidação do imposto sucessório, porquanto, visam colocar em crise o processo de execução despoletado em violação à lei.
  9. A Decisão recorrida violou os princípios da igualdade tributária, enquanto princípio estruturante do Estado Democrático de Direito.
  10. A violação de tal princípio consistiu-se no facto do Tribunal recorrido não ter analisado as provas (facturas) apresentadas cujo objectivo era o de comprovar o rendimento real e a ilegalidade do título executivo.
  11. Sublinha-se, o que originou a emissão da certidão da dívida tributária e, por conseguinte, a instauração do processo executivo, é a rejeição das facturas.
  12. Tendo em conta de que a tributação deve estribar-se em critérios de justiça e outros, a rejeição das facturas por supostamente não estarem em conformidade com à lei quando, efectivamente, foram emitidas de acordo com o regime jurídico das facturas e documentos equivalentes, é uma tremenda injustiça que não pode ser admissível num Estado Democrático de Direito.
  13. Verifica-se também que a Decisão recorrida violou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, “segundo o qual, os contribuintes têm acesso à justiça tributária para obter a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos, pressupondo a impugnabilidade de todos os actos em matéria tributária que lesem direitos”.
  14. O princípio da justiça distributiva que se concretiza nas exigências de igualdade e da proporcionalidade foram igualmente violados. A tributação deve ser justa e razoável, não podendo ser discriminatória, arbitrária e excessiva.
  15. Por isso, impõe-se a reapreciação da Decisão proferida pelo Tribunal recorrido, por ser o título executivo ilegal e, concomitantemente, falso com fundamento previstos nas alíneas c) e d) do artigo 76.º do CEF.
  16. O facto de não ter interposto recurso contencioso após ter sido notificada da decisão do recurso hierárquico, não a impede de invocar, in casu, os fundamentos que atestam a ilegalidade e falsidade do título executivo, cujo acolhimento é incontornável, a fim de que seja afastada a injustiça fiscal de que enferma o presente processo de execução.
  17. Em aditamento, julga que existe uma relação umbilical entre a ilegalidade em que incorreu a recorrida (rejeição das facturas) e o título executivo (certidão de dívida tributária) pelo facto de este ter advindo daquele, isto é, estamos perante uma relação de causa e efeito.
  18. Assim, havendo nexo de causa-efeito entre as duas realidades indissociáveis é mister dizer que o título executivo é ilegal e falso (…).

Conclui as suas alegações, nos seguintes termos:

“Dos arrazoados resulta a alteração do Despacho Saneador-Sentença para o fim concreto de extinguir o processo de execução fiscal despoletado com estribo em inconstitucionalidade e ilegalidade gritantes, ordenando-se o levantamento da penhora que incide sobre as contas bancárias constantes dos autos, concretizando-se o fim último do direito, a justiça tributária”.

O processo foi à vista do Ministério Público que, no essencial, pronunciou-se nos seguintes termos:

“Tendo em atenção os elementos carreados para apreciação desta Corte Constitucional, não nos parece que, no Acórdão recorrido tenha havido violação dos princípios constitucionais nos moldes descritos pela Recorrente e sim inconformação com o mérito da decisão, ou seja, com a forma como a Câmara do Cível, Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Trabalho, Família e Justiça Juvenil do Tribunal da Relação de Benguela aplicou a Lei e o Direito. Nestes termos, pugnamos pela improcedência do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por não se comprovar a violação de princípios constitucionais ou de direitos, liberdades e garantias fundamentais”.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

II. COMPETÊNCIA

O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos previstos na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, como sendo “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola (CRA)”.

Além disso, foi observado o princípio do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns e demais tribunais, conforme o estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para decidir este recurso.

III. LEGITIMIDADE

A Recorrente foi agravante no Processo n.º 51/2023, que correu termos na Câmara do Cível, Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Trabalho, Família e Justiça Juvenil do Tribunal da Relação de Benguela e não viu o seu pedido atendido. Por essa razão, tem legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.

IV. OBJECTO

O presente recurso tem por objecto verificar se o Acórdão prolactado pela Câmara do Cível, Contencioso Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Trabalho, Família e Justiça Juvenil do Tribunal da Relação de Benguela, no âmbito do Processo n.º 51/2023, ofendeu princípios e direitos consagrados na Constituição da República de Angola e invocados pela Recorrente nomeadamente, os princípios da igualdade tributária, enquanto princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, da tutela jurisdicional efectiva e o da justiça distributiva que se concretiza nas exigências de igualdade e proporcionalidade.

V. Questão prévia

A Recorrente, nas suas alegações suscita a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 97.º do CEF, porquanto, entende que a atribuição de competência ao Chefe de Repartição Fiscal do Waku Kungo, para proceder à penhora das suas contas bancárias atenta contra os princípios e direitos com dignidade constitucional, nomeadamente os princípios da reserva da função jurisdicional, da igualdade e do direito de propriedade, no âmbito do processo tributário.

Ora, é importante assinalar que a pretensão da Recorrente encontraria amparo no âmbito do Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade, cujo objecto incide, não sobre uma Decisão judicial, mas antes, sobre a aplicação ou desaplicação de uma norma considerada inconstitucional no decurso do processo, tal como estabelece o artigo 36.º da LPC.

Neste sentido, atentos a natureza do Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade e sendo que o presente processo incide sobre um Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, este Tribunal não se vai pronunciar sobre a alegada inconstitucionalidade do dispositivo legal supra-referido.

VI. APRECIANDO

As alegações deduzidas pela Recorrente, juntas aos autos do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, repousam na mesma matéria de facto e de direito expendidas e discutidas em sede dos Tribunais recorridos, questões atinentes ao mérito da causa na jurisdição comum, isto é, a legalidade do título executivo que serviu de base à execução.

Torna-se evidente essa conclusão, por um lado, a partir do momento em que, à partida, nas suas alegações (fls. 196), assevera que “a Recorrente tem por inteiramente reproduzidos os fundamentos de rejeição do recurso de agravo impetrado pela Recorrente, no entanto julga não ser despiciendo, em síntese, aludir aos seguintes:”.

Mais ainda, ao terminar as alegações (fls. 201), conclui que: “dos arrazoados resulta a alteração do Despacho Saneador-Sentença para o fim concreto de extinguir o processo de execução fiscal despoletado com estribo em inconstitucionalidade e ilegalidade gritantes, ordenando-se o levantamento da penhora que incide sobre as contas bancárias constantes dos autos, concretizando-se o fim último do direito, a justiça tributária”.

Dos argumentos supratranscritos, mostra-se evidente que as alegações são dirigidas à Decisão do Tribunal de primeira instância, por um lado e, por outro, a falta de motivação jurídico-constitucional.

a) Sobre o princípio da igualdade Tributária

O titulado princípio da igualdade de armas ou da igualdade das partes, de concretização constitucional, é um princípio geral dos direitos fundamentais e corolário do direito a julgamento justo e conforme (artigo 72.º da CRA). Este normativo simboliza o positivismo jurídico, a justeza e a equidade do processo permitindo às partes litigantes pleitearem em condições isonómicas, ou seja, radica no primado de que se deve tratar de forma igual o que é igual, e de forma diferente o que é diferente, na medida da própria diferença.

b) Sobre o princípio da tutela jurisdicional efectiva

O princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva está consagrado no artigo 29.º da CRA, visa garantir a plena harmonia da decisão com o princípio da legalidade. Todas as pessoas que intervenham junto das distintas jurisdições no Estado de Direito angolano devem usar todos os meios de defesa, participando em todas as fases processuais permitidas por lei, até à prolacção da decisão. Ou seja, a tutela jurisdicional efectiva garante não apenas o acesso à justiça, mas também o direito a um processo equitativo, célere e com decisão fundamentada.

c) Princípio da capacidade contributiva

Da leitura dos autos, infere-se que a Recorrente sustenta que, ao ser-lhe exigido o pagamento da dívida fiscal fundada em título alegadamente inválido, está a suportar uma carga tributária indevida, em violação ao princípio da justiça contributiva.

O princípio da capacidade contributiva, embora não expressamente consagrado na Constituição da República de Angola, decorre inequivocamente do artigo 101.º e do n.º 1 do artigo 102.º, que consagra os princípios da legalidade, da igualdade fiscal, da justiça e da proporcionalidade no domínio tributário. Trata-se de um princípio implícito, porém essencial, que constitui o critério material da igualdade tributária, assegurando que a carga fiscal seja distribuída conforme a aptidão económica dos contribuintes.

Por todo o expendido, conclui o Tribunal Constitucional que inexiste a violação dos princípios da igualdade tributária, da tutela jurisdicional efectiva e da justiça contributiva, invocados pela Recorrente.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em:

NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO.

Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.

Notifique.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 5 de Junho de 2025.

OS JUÍZES CONSELHEIROS

Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)

Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)

Amélia Augusto Varela

Carlos Alberto B. Burity da Silva

Carlos Manuel dos Santos Teixeira

Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo

Gilberto de Faria Magalhães

João Carlos António Paulino

Lucas Manuel João Quilundo (Relator)

Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva

Vitorino Domingos Hossi