ACÓRDÃO N.º 959/2025
PROCESSO N.º 1187-C/2024
Recurso para o Plenário
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. RELATÓRIO
Álvaro Morel Teixeira da Silva, com mais sinais de identificação nos autos, veio, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), impetrar recurso para o Plenário, contra o Despacho proferido pelo Juiz Conselheiro Presidente, em exercício, no âmbito do Processo n.º 1180-D/2024.
Admitido o recurso e notificado para apresentar alegações em observância ao disposto no artigo 45.º da LPC, alegou, em síntese, o seguinte:
1. No âmbito dos autos de recurso extraordinário de inconstitucionalidade n.º 1180-D/2024, por Despacho do Juiz Conselheiro, Presidente em Exercício, de 31 de Julho de 2024, foi indeferido o seu requerimento de interposição de recurso extraordinário de inconstitucionalidade, com fundamento de que não se encontravam verificados os pressupostos legais da alínea a) do artigo 49.º da LCP, considerando que não estava esgotada a cadeia recursória.
2. Desta forma, entende que o Juiz Conselheiro, Presidente em Exercício, não decidiu bem, na medida em que o Recorrente intentou junto da 1.ª Secção da Sala de Trabalho do então Tribunal Provincial de Luanda, actual Tribunal da Comarca de Belas, acção especial de acidente de trabalho e doenças profissionais, contra a empresa ASC-Angola Steel Corporation, Lda, tendo a mesma sido julgada procedente e a Requerida condenada a pagar ao Requerente uma pensão mensal no valor de Kz. 341 979,05 (trezentos e quarenta e um mil, novecentos e setenta e nove Kwanzas e cinco Cêntimos).
3. A então Requerida, não se conformando com a decisão, interpôs recurso para o Tribunal Supremo, que o julgou procedente e, em consequência, revogou a decisão recorrida, ordenando a elaboração do despacho saneador, com a especificação e questionário, seguindo-se os actos subsequentes até à prolação da sentença.
4. Notificado da decisão e inconformado com a mesma, o Recorrente interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional, tendo esta Corte entendido que, apesar de ser um Acórdão do Tribunal Supremo, a decisão recorrida não era definitiva, tendo, por isso, indeferido por considerar que não estava esgotada a cadeia recursória.
5. Neste sentido, depois de notificado do despacho de indeferimento do recurso ordinário de inconstitucionalidade, alega o Recorrente que o Despacho do Juiz Conselheiro, Presidente em exercício, violou o princípio consagrado nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 29.º da Constituição da República de Angola (princípio do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva).
6. Alega ainda que a ordem recursória no ordenamento jurídico angolano resume-se em Tribunal da Relação, Tribunal Supremo e Tribunal Constitucional e, no caso concreto, tendo o Tribunal Supremo decidido em última instância, portanto, esgotando outras vias de recurso, cabe apenas recurso ao Tribunal Constitucional.
7. Neste sentido, o douto Despacho do Juiz Conselheiro, Presidente em exercício, ao não ter em conta o Decreto-Lei 45 497, de 30 de Dezembro de 1963 e as normas do Código do Processo Civil, nos seus precisos termos, configurou a violação dos princípios da legalidade, previsto no n.º 2 do artigo 6.º da CRA, na medida em que todas as decisões judiciais devem ser tomadas de acordo com a lei e procedimentos legais estabelecidos; da igualdade, já que as partes envolvidas não foram tratadas de forma equitativa.
O Recorrente termina pedindo que se dê provimento ao presente recurso, devendo, deste modo, o despacho de indeferimento liminar do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, ser revogado e substituído por outro, que o admita.
O processo foi à vista do Digníssimo Magistrado do Ministério Público que se pronunciou no sentido de não ser dado provimento ao presente Recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora, apreciar, para decidir.
II. COMPETÊNCIA
O Plenário do Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso, nos termos e fundamentos do n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC);
Tendo sido proferido um despacho de indeferimento liminar de recurso extraordinário de inconstitucionalidade pelo Juiz Conselheiro Presidente, em exercício, tem o Plenário do Tribunal Constitucional competência para apreciar o presente recurso.
III. LEGITIMIDADE
Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.
O Recorrente é parte legítima no Processo n.º 1180-D/2024, no qual foi prolactado o despacho de indeferimento liminar, pelo que, tem legitimidade para interpor o presente recurso.
IV. OBJECTO
O objecto do presente recurso é saber se a decisão que indeferiu o recurso extraordinário de inconstitucionalidade interposto pelo Recorrente no Processo n.º 1180-D/2022 violou princípios, direitos, liberdades e/ou garantias constitucionais.
V. APRECIANDO
O presente recurso resulta do facto de o Requerente não se conformar com o despacho de indeferimento liminar do recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Juiz Conselheiro Presidente, em exercício, proferido no âmbito do Processo n.º 1187-D/24. Deste modo, sustenta o Recorrente, que o despacho em sindicância violou o princípio consagrado nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 29.º da Constituição da República de Angola (princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva).
Consequentemente, o douto Despacho do Juiz Conselheiro Presidente, em exercício, ao não ter em conta o Decreto-Lei n.º 45 497, de 30 de Dezembro de 1963 e as normas do Código do Processo Civil, nos seus precisos termos, configurou, também, a violação do princípio da legalidade, conforme o n.º 2 do artigo 6.º da CRA, na mediada em que todas as decisões judiciais devem ser tomadas de acordo com a lei e procedimentos legais estabelecidos; da igualdade, já que as partes envolvidas não foram tratadas de forma equitativa.
Prima facie, pese embora o Recorrente tenha suscitado que o despacho recorrido violou uma série de princípios, no essencial, gravita a sua fundamentação na violação do princípio do acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva. Olhando para a fundamentação fáctica acima alegada, ou seja, intentou uma acção especial de acidente de trabalho e doenças profissionais na 1.ª Secção da Sala de Trabalho do Tribunal Provincial de Luanda, actual Comarca de Belas, a qual foi julgada parcialmente procedente.
Não se conformando com a decisão, a empresa ASC-Angola Steel Corporation. Lda, interpôs recurso para a Câmara de Trabalho do Tribunal Supremo, tendo aquela instância admitido o recurso, apreciando-o e decidindo-o com a revogação da decisão recorrida, mandando baixar os autos, ordenando a elaboração do despacho saneador, com a especificação e questionário, seguindo-se os actos subsequentes até à prolação da sentença, tendo sido cumprido o duplo grau de jurisdição.
O Recorrente, notificado da decisão do Tribunal da Supremo, sobre a revogação da Sentença do Tribunal a quo, não se conformando com a mesma, interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade à esta Corte, o qual foi indeferido liminarmente, com fundamente de que o Acórdão recorrido não apreciou o mérito da causa. Antes, ordenou a baixa dos autos, para que o Juiz a quo procedesse à repetição do julgamento, orientando que se cumprissem todas as fases indispensáveis na tramitação dos processos relativos a acidentes de trabalho, não estando, com isso, esgotada a cadeia recursória e, consequentemente, não se verificando os pressupostos legais previstos na alínea a) do artigo 49.º da LCP, conforme fls. 172 dos autos.
Notificado o Recorrente da decisão, vem agora alegar que o Despacho do Juiz Conselheiro Presidente em exercício, violou o princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
O princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva encontra-se consagrado no artigo 29.º da Constituição da República de Angola e constitui uma garantia indispensável da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, intrínseco à ideia de Estado de Direito.
O artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que o seu caso seja julgado, equitativa e publicamente, por um tribunal independente e imparcial que decida sobre seus direitos e obrigações.
Importa salientar que este princípio constitui a “reserva de jurisdição dos tribunais, órgãos independentes e imparciais, com igualdade entre as partes, e que decidem segundo critérios jurídicos, bem como a possibilidade de os cidadãos se dirigirem ao tribunal para a declaração e efectivação dos seus direitos, não só perante outros particulares mas, também, perante o Estado e quaisquer entidade pública” (Jorge Miranda, Direitos Fundamentais, 3.ª ed, Almedina, p. 406).
Desta forma, da prática dos novos actos processuais pelo tribunal a quo, para que reforme a sua sentença, em conformidade com a decisão do tribunal ad quem, designadamente do despacho saneador, da organização, da especificação e do questionário. Assim, quando for proferido nova sentença, será esta a decisão que ficará a vigorar no processo, pelo que, dela discordando umas das partes, terá a parte vencida, caso queira, interpor recurso da mesma, nos termos do n.º 1 do artigo 687.º do Código de Processo Civil, e não da primeira sentença.
Daí, só se poder recorrer para o Tribunal Constitucional depois de esgotada a cadeia recursória.
Como sustenta Adlezio Agostinho “a razão do esgotamento das cadeias recursórias assenta na oportunidade de se dar a possibilidade aos órgãos jurisdicionais comuns de poderem confrontar os actos praticados pelos tribunais inferiores. Esgotadas estas cadeias, compete ao Tribunal Constitucional apreciar a questão como órgão de última instância, nos termos da alínea m) do artigo 16.º da LOTC (Manual de Direito Processual Constitucional Princípios Doutrinários e Procedimentais sobre as Garantias Constitucionais, AAFDL, 2023, p. 671).
Deste modo, como afirma Fernando Amâncio Ferreira, “o recurso para o Tribunal Constitucional é restrito à questão incidental de inconstitucionalidade ou de ilegalidade. A decisão que ele proferir apenas pode incidir sobre essa questão (e não sobre a questão principal)” (Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., Almedina, 2009, p. 417).
Logo, não pode esta Corte aceitar ou permitir que o recorrente faça um “by pass” para o Tribunal Constitucional. Deverá, sim, esgotar a cadeia recursória, após decisão do Tribunal a quo tendo este repetido o julgamento.
Acrescenta, ainda, o autor que “o Tribunal Constitucional não é uma superinstância de recurso com a possibilidade de se substituir ao Tribunal recorrido para proferir uma decisão de mérito sobre a causa principal, ele é um órgão de recurso para conhecer da violação do bloco da constitucionalidade e do bloco da legalidade reforçada e, nestas vestes, pode revogar total ou parcialmente a decisão recorrida, ordenando que o tribunal a quo proceda à reforma da sentença por ele proferida, a fim de a conformar com a decisão do Tribunal Constitucional quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade” (Ob. cit. p. 417).
O Recorrente, ao invocar a violação do princípio em causa, equivocadamente entendeu que a decisão vertida no Acórdão do Tribunal Supremo é fundamento bastante para interpor o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, sem reparar que a mesma não cumpre os requisitos próprios do artigo 49.º da LPC, na medida em que, a revogação da Decisão recorrida e a ordem para elaboração do despacho saneador, com a especificação e o questionário, seguindo-se os actos subsequentes até à prolacção da sentença.
Pelo exposto, claramente se demonstra que esta Decisão do Tribunal Supremo não pós fim ao processo, pelo contrário, ordenou que o mesmo recomece do ponto em que parou, ou seja, que se anule todo o processado e que se recomece do despacho saneador. Assim, não se pode considerar esgotada a cadeia recursória.
Deste modo, quando o recurso extraordinário de inconstitucionalidade tenha por objecto uma decisão de que caiba recurso ordinário, o não esgotamento da cadeia recursória constitui um limite ou obstáculo processual à admissão do mesmo. A este respeito, o Tribunal Constitucional tem jurisprudência firmada no sentido de que o não esgotamento da cadeia recursória deve, necessariamente, ter como consequência o indeferimento do requerimento do recurso extraordinário de inconstitucionalidade (vide Acórdão n.º 804/23, acessível em www.tribunalconstitucional.ao).
Destarte, o Plenário do Tribunal Constitucional indefere o recurso interposto do Despacho de indeferimento liminar por não ter violado o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, artigo 29.º da CRA, nem qualquer outro princípio constitucional, porquanto, é manifesta a verificação do não esgotamento da cadeia recursória.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO PELO FACTO DE O DESPACHO RECORRIDO NÃO TER VIOLADO QUAISQUER PRINCÍPIOS OU DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique-se.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 12 de Fevereiro de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente)
Carlos Alberto B. Burity da Silva (Declarou-se Impedido)
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Josefa Antónia dos Santos Neto
Lucas Manuel João Quilundo
Maria da Conceição de Almeida Sango
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi (Relator)