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ACÓRDÃO N.º 979/2025 
 
PROCESSO N.º 1216-D/2024 
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade 
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional: 
 
RELATÓRIO 
IMBONDEX – Construções e Materiais de Construção, S.A, melhor identificada nos autos, por não se conformar com a decisão vertida no Acórdão n.º 16/24 da Câmara do Trabalho do Tribunal da Relação de Luanda, proferido no âmbito do Processo n.º 01/2023-B, veio nos termos da alínea m) do artigo 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) e do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional, interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, conforme fls. 237. 
Admitido o recurso e notificada a Recorrente, esta veio, em síntese, alegar o seguinte: 
A Recorrente, em sede de contestação à Acção Declarativa de Conflito Laboral que correu termos na 3.ª Secção da Sala de Trabalho do Tribunal da Comarca de Belas, no Processo n.º 652/2020- B4, alegou em síntese que a pessoa que recebeu a citação, no passado dia 17.08.2021, foi o Inácio Kutalica, trabalhador da empresa privada de segurança, Gundo e Filhos, Lda., prestadora de serviço na Recorrente. 
Situação esta que só foi possível concluir após aturadas diligências, onde se verificou que Inácio Kutalica não tinha qualquer vínculo laboral com a Recorrente. Desta forma, jamais poderia considerar-se validamente notificada a mencionada empresa Imbondex - Construções e Materiais de Construção, S.A., uma vez que de forma alguma o referido sujeito tinha ou teve qualquer vínculo laboral com a Recorrente. 
Seja como for, o Tribunal a quo decidiu da forma como já aqui referido, isto é, ordenou o desentranhamento da contestação e todos os documentos que a acompanham por ter dado entrada fora do prazo legal. 
Inconformada, a Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação, tendo este Tribunal mantido a decisão do Tribunal a quo. 
Porque a situação continua a merecer reparação e análise, a Recorrente interpôs o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, pedindo que este Tribunal aprecie a decisão tomada pelo Tribunal da Relação, porquanto, em bom rigor, limitou-se a julgar improcedente o pedido, sem que tivesse feito uma análise cuidada e minuciosa dos motivos que levaram a não correcta citação da aqui Recorrente, obstaculizando desta forma que esta se pudesse defender no processo em apreço. 
Sustentando a Recorrente, nas suas alegações perante o Tribunal da Relação, que o Douto Acórdão recorrido, ao não dar provimento ao invocado pela Imbondex, viola o disposto nos artigos 233.º, n.ºs 1 e 2, 234.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil (CPC); o direito fundamental de acesso à justiça e tutela jurisdicional e efectiva, artigo 29.º da CRA; e ainda o princípio fundamental da igualdade, artigo 23.º da CRA; bem como outras normas e princípios constitucionais previstos nos artigos 2.º, Estado democrático de direito, 6.º, n.º 2, supremacia da Constituição e legalidade, 175.º, independência e imparcialidade dos Tribunais, 177.º, decisões dos Tribunais e 226.º, constitucionalidade, todos da CRA. 
Em suma, pretende-se aferir se, efectivamente, com esta decisão foram ou não violados os normativos e princípios supra enumerados. 
Mais, entende a Recorrente, que também o Tribunal em recurso poderia/deveria em última ratio socorrer-se da mais nobre diligência que um processo tem, isto é, lançar mãos da audiência de discussão e julgamento onde esta matéria poderia/seria dirimida, o que também não sucedeu. Ou melhor, nem à audiência preparatória as Partes chegaram, o que, por maioria de razão, leva a concluir-se que os passos processuais, essenciais para o caso concreto foram omitidos e esquecidos por quem o deveria exercer. 
No mesmo sentido, refira que não se vê efectivamente no processo a existência de qualquer notificação para que a Recorrente desse 
cumprimento a qualquer procedimento ordenado pelo Tribunal para esclarecer o caso sub judice. 
Entende a Recorrente que, ao não ter sido conhecida a questão por si colocada, o Tribunal da Relação não pode decidir da forma como o fez. 
Verifica-se no caso concreto a violação do direito a um julgamento justo, artigo 72.º da CRA. 
A violação do princípio da legalidade, n.º 2 do artigo 6.º da CRA, bem como outros que doutamente este Tribunal Constitucional venha e/ou possa suprir. 
A Recorrente termina as suas alegações pedindo que o Tribunal Constitucional dê provimento ao presente recurso e, em consequência, determine os ulteriores procedimentos legais exigíveis ao caso em concreto. 
O processo foi à vista do Ministério Público. 
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir 
 
COMPETÊNCIA 
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) e do parágrafo único do artigo 49.º, da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), bem como das disposições conjugadas da alínea m) do artigo 16.º e do n.º 4 do artigo 21.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC). 
 
LEGITIMIDADE 
A Recorrente é parte legítima no Processo n.º 01/2023-B, que correu trâmites na Câmara do Trabalho do Tribunal da Relação de Luanda. Tem direito a contradizer, segundo dispõe o n.º 1 do artigo 26.º do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo constitucional, ex vi do artigo 2.º da LPC. 
A legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade cabe-lhe, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC. 
 
OBJECTO 
O objecto do presente recurso é o Acórdão n.º 16/24, da Câmara do Trabalho do Tribunal da Relação de Luanda, datado de 17 de Abril de 2024, proferido no âmbito do Processo n.º 01/2023-B, sobre o qual incidirá a apreciação deste Tribunal para saber se o mesmo terá violado princípios, direitos e garantias fundamentais alegados pela Recorrente. 
 APRECIANDO 
Na 3.ª Secção da Sala do Trabalho do Tribunal da Comarca de Belas foi intentada contra a aqui Recorrente uma Acção de Conflito de Trabalho, por Romeu Jacinto Almeida e Orlando Bientes. Citada, a Recorrente apresentou a contestação fora do prazo legal, tendo a Juíza da causa, por Despacho de fls. 126, ordenado o desentranhamento da mesma. Inconformada com tal decisão, a Recorrente interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Luanda que, por sua vez, negou provimento ao mesmo e, em consequência, manteve a decisão recorrida, cfr. fls. 209 a 225 dos autos. 
É, pois, sobre a Decisão do Tribunal da Relação de Luanda, isto é, o Acórdão n.º 16/24, que o Tribunal Constitucional é chamado a pronunciar-se sobre a sua conformidade com a Constituição da República de Angola. 
No caso em apreço, a questão principal a analisar prende-se com o facto de a Recorrente entender que não foi regularmente citada para deduzir oposição, pelo que jamais o Acórdão recorrido deveria ter rejeitado a sua contestação por extemporaneidade. Razão pela qual, a Recorrente considera terem sido violados o direito a julgamento justo e conforme, o acesso ao direito e tutela jurisdicional e efectiva, bem como o princípio da legalidade e demais normas do Código de Processo Civil supra referidas. 
Vejamos; 
O direito a julgamento justo e conforme é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, é uma garantia fundamental que pressupõe a existência de uma administração da justiça imparcial, independente e funcional. Este princípio constitucional tem como objectivo assegurar um julgamento justo, cujo processo deve ser equitativo, capaz de assegurar a justiça material e uma decisão num prazo razoável, respeitando os procedimentos judiciais, tais como a celeridade e prioridade de modo a obter a tutela efectiva em tempo útil contra ameaças ou violações dos seus direitos. 
Entendem os autores Raul Araújo e Elisa Rangel que “um julgamento é considerado justo quando são acautelados e respeitados, pelos tribunais, os princípios da imparcialidade, independência e de equidade no tratamento das partes e seus representantes” (Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I, 2018, p. 398).  
 Nestes termos, resulta que o direito a um julgamento justo e conforme deverá assentar os seus pressupostos, nesta acepção, na prerrogativa das partes gozarem das mesmas garantias processuais, podendo ambas carrearem para o processo todos os elementos de prova conducentes a uma actuação processual equitativa e justa. 
No caso sub judice, entende a Recorrente que o seu direito de contradizer foi cerceado, na medida em que não foi regularmente citada, ou seja, ao invés de ter sido citada na sua própria pessoa ou na pessoa do seu representante, foi citada em pessoa diversa e sem alguma relação laboral ou de dependência funcional directa – o segurança que prestava serviço de proteção civil à sua empresa. 
Procede ou não? Ora, 
A citação tem como objecto dar a conhecer ao réu que contra si foi proposta uma acção e este é chamado para vir aos autos deduzir oposição, isto é, proporcionando-lhe o exercício do direito de defesa (n.º 1 do artigo 233-º do CPC). 
Parafraseando José Lebre de Freitas, “é este um direito fundamental, que, tal como o direito de acção, integra o direito de acesso aos tribunais, e a sua garantia pressupõe um acto que dê ao réu o conhecimento efectivo do processo contra ele instaurado” (A Acção Declarativa Comum À Luz do Código Revisto, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2011, p. 63). 
Nos termos do artigo supra, a citação pode revestir várias modalidades, quais sejam: pessoal, quando efectuada na própria pessoa do citando; quase pessoal, quando feita noutra pessoa expressamente permitida por lei ou quando o réu tiver constituído mandatário com poderes legais para o representar e, por último, a citação edital, efectuada mediante publicação de anúncios e afixação de editais em edifícios determinados por lei. 
Entretanto, no caso das pessoas colectivas, estas poderão ser citadas na pessoa dos seus representantes, conforme o n.º 2 do artigo em referência. Estas podem ainda ser citadas na pessoa de qualquer empregado, nas situações em que os seus representantes estejam ausentes ou não se encontrem na sua sede, considerando-se, para efeito, efectuada na pessoa do representante, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 234.º do CPC. 
Dentre as irregularidades susceptíves de comprometerem a validade da citação, o legislador distingue a falta de citação e a nulidade da citação. Nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, há falta de citação quando o acto tenha sido completamente omitido; quando tenha havido erro de identidade do citado; quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; quando se tenham preterido formalidades essenciais ou quando efectuada depois do falecimento do citando. O n.º 2 do artigo em referência, estabelece as referidas formalidades essenciais, cuja preterição equivale à falta de citação e leva a anulação não só do acto de citação, mas de todo o processado posterior à citação, nos termos do artigo 194.º do CPC. 
Por seu turno, a nulidade da citação verifica-se quando, apesar de observadas as formalidades essenciais, o acto se realize com preterição de outras formalidades legalmente previstas, como no caso da falta de entrega do duplicado do requerimento inicial; falta de indicação da cominação decorrente da não contestação; da indicação do prazo para a defesa superior ao que a lei estabelece; falta de menção na nota de citação, do dia em que esta foi efectuada; falta de indicação do Tribunal em que corre o processo e outras. De realçar, que estas devem ser tempestivamente arguidas pela parte e ser passíveis de prejudicar a sua defesa. 
No caso em apreço, a Recorrente considera-se irregularmente citada, porquanto, aquando do acto de citação efectuado pelo oficial de diligências, quem recepcionou a referida certidão foi o Inácio Kutalico, o indivíduo que prestava serviço de segurança à Recorrente e que não tinha qualquer vínculo laboral com a mesma, mas com a empresa de segurança que prestava serviços à Recorrente, desprovido de poderes para o efeito. 
Segundo Abílio Neto, “embora a lei fale de, (Sic) empregado, – termo que aponta para uma relação de trabalho subordinado – não nos repugna aceitar que se considerem abrangidos os prestadores de serviços, designadamente os elementos da empresa de segurança que controlam as entradas na generalidade das grandes sociedades comerciais, não obstante não serem, em bom rigor, empregados, das sociedades onde prestem serviço” (Código de Processo Civil Anotado, 22.ª ed. Actualizada, 2009, Edições Jurídicas, p. 367). 
Consta dos autos, a fls. 120, a certidão de citação e nela é possível aferir que quem de facto recepcionou a referida certidão foi Inácio Kutalico, que não sendo empregado directo da Recorrente, é empregado da empresa que prestava serviços à Recorrente. 
Importa aqui sublinhar que a Recorrente coloca em causa a regularidade da citação a partir do momento em que é notificada do desentranhamento da contestação, pelo facto de ter dado entrada fora do prazo estabelecido. 
Ora, quanto aos prazos para a realização da prática de um acto processual, importa realçar que a lei permite que possa ser praticado fora do prazo, desde que a parte prove e demonstre justo impedimento, nos termos do n.º 4 do artigo 145.º do CPC. Pode, ainda, independentemente do justo impedimento, o acto ser praticado no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo, ficando, porém, a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, conforme o n.º 5 da norma em referência. 
Assim, nos termos da norma supracitada, poderia a Recorrente ter apresentado a sua contestação precedida do pagamento da respectiva multa. Contrariamente a isso, não resulta dos autos qualquer conhecimento de que a Recorrente teria invocado alguma causa justificativa para apresentar a contestação um dia após o fim do prazo estabelecido na certidão. 
Considerando que dos autos constam os documentos e as respectivas alegações, questiona-se, pois, como foi possível a Recorrente contestar e juntar documentos aos autos, se a mesma não foi regularmente citada? Claro, esmerado prodígio. 
Entende o Tribunal Constitucional que, na verdade dos factos, a Recorrente juntou a sua contestação aos autos, porque tomou de facto conhecimento do conteúdo da certidão de citação, embora esta tenha sido efectuada na pessoa do segurança da empresa. 
Ademais, a referida irregularidade fica suprida a partir do momento em que a Recorrente interveio no processo sem antes arguir a suposta irregularidade, pois, estabelece o artigo 196.º do CPC que “se o réu ou o Ministério Público intervir no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”. 
Nesta conformidade, entende o Tribunal Constitucional que o Acórdão recorrido não violou o direito de acesso a justiça e tutela jurisdicional efectiva, artigo 29.º, bem como os princípios da igualdade, artigo 23.º, do Estado democrático de direito, artigo 2.º, da legalidade, artigo 6.º, independência e imparcialidade dos Tribunais, artigo 175.º, decisões dos Tribunais 177.º e da Constitucionalidade, artigo 226.º, todos da CRA. 
Nestes termos,  
 DECIDINDO 
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO POR NÃO SE TER VERIFICADO A VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS E DIREITOS INVOCADOS PELA RECORRENTE. 
Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional. 
Notifique. 
 
Tribunal Constitucional, em Luanda, 1 de Abril de 2025. 
 
OS JUÍZES CONSELHEIROS 
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente)  
Carlos Alberto B. Burity da Silva  
Gilberto de Faria Magalhães (Relator)  
João Carlos António Paulino  
Josefa Antónia dos Santos Neto  
Lucas Manuel João Quilundo  
Maria da Conceição de Almeida Sango