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ACÓRDÃO N.º 996/2025
PROCESSO N.º 1186-B/2024
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade 
Em nome do Povo, Acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I.  RELATÓRIO
Xerxes Weka Sampaio com melhores sinais de identificação nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), do Acórdão da 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, prolactado no Processo n.º 4518/20, que negou provimento ao recurso por si interposto, confirmando a Decisão recorrida.
Admitido o recurso, o Recorrente apresentou as suas alegações, arrimando para o efeito, em síntese, os fundamentos que se seguem:
1. Houve, na tramitação processual da 1.ª Instância, irregularidades e violações das normas legais, bem como dos princípios consagrados no artigo 29.º da CRA.
2. O ora Recorrente foi pronunciado e julgado pela prática do crime de homicídio simples, na forma frustrada, p. e p. pelo artigo 349.º, 104.º n.º 1 e 10.º, todos do Código Penal de 1886.
3. Na fase de instrução preparatória, o arguido, ora Recorrente, requereu que certas pessoas fossem ouvidas, nomeadamente o Sr. Adolfo Vieira, mais conhecido por “Alfa”, pessoa que acompanhou bem a contenda e presenciou os factos, tendo o Ministério Público junto do SIC ignorado os pedidos, mantendo-se em silêncio e violando, assim, o princípio do inquisitório.
4. Na fase de julgamento, a defesa solicitou, novamente, a audição do Sr. Adolfo Vieira. Todavia, o Tribunal rejeitou o pedido, violando, assim, o direito à ampla defesa e os princípios da imediação, do contraditório, da justiça material e da presunção de inocência. 
5. Por outro lado, durante a fase de julgamento, especificamente aquando da produção de prova, a defesa foi pedindo que o tribunal consignasse em acta todas as declarações do arguido, o que foi rejeitado, lesando-se, assim, o direito à ampla defesa, previsto no artigo 72.º da CRA.
6. Em contraste, todas as declarações do ofendido foram consignadas em acta, o que viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 23.º da CRA.
7. Tendo em conta a prova produzida em julgamento, condenar o Recorrente pela prática do crime de homicídio simples, ainda que na forma frustrada, constitui uma autêntica violação do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 67.º da CRA.
8. Isto porque não foram provados factos susceptíveis de preencher os elementos objectivos e subjectivos do tipo de homicídio simples, na forma frustrada.
9. Da leitura do Acórdão da 1.ª Instância, bem como do conteúdo do Acórdão da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, depreende-se que havia a considerar mais circunstâncias atenuantes do que circunstâncias agravantes, pelo que a decisão recorrida se revela desproporcional e injusta.
Conclui o Recorrente, invocando a violação do princípio da presunção de inocência, por ofensa ao seu corolário processual penal in dubio pro reo, a violação dos direitos à ampla defesa e ao contraditório, a julgamento justo e conforme e, ainda, do princípio processual penal da descoberta da verdade material, consagrado no n.º 1 do artigo 145.º do CPPA.
O processo foi à vista do Ministério Público, que promoveu nos seguintes termos: ”(…) Dúvidas não nos restam de que, com o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, o Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional reveja o mérito do acórdão recorrido, questão que se encontra vedada pelos artigos 181.º da Constituição da República de Angola (CRA) e 16.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC), pois, a esta Corte cabe, apenas, administrar justiça em matéria jurídico-constitucional, sem se constituir numa terceira instância de apreciação do mérito. Pelo exposto, pugnamos pelo não provimento do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, por não se comprovar a violação de princípios constitucionais ou de direitos, garantias e liberdades fundamentais.”
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II.  COMPETÊNCIA
O Tribunal Constitucional é competente para conhecer e decidir o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, nos termos da alínea a) do artigo 49.º e do artigo 53.º, ambos da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional (LPC), tendo sido observado o prévio esgotamento dos recursos ordinários para os tribunais comuns legalmente previstos nos tribunais comuns, conforme estatuído no § único do artigo 49. º da LPC.
III.  LEGITIMIDADE
O Recorrente é parte no Processo n.º 4518/2020¬, autos de recurso ordinário que correu os seus termos na 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, pelo que tem legitimidade para recorrer, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, ao abrigo da qual, “podem interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional (…) as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário.”
IV. OBJECTO 
O presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem como objecto apreciar e decidir se o Acórdão proferido pela 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que julgou improcedente o recurso interposto pelo aqui Recorrente e confirmou a decisão proferida em primeira instância, ofendeu, ou não, os princípios, direitos e garantias consagrados na Constituição da República de Angola (CRA) e invocados pelo Recorrente.
V.  APRECIANDO
O Recorrente foi condenado, em 1.ª Instância, por Acórdão da 3.ª Secção da Sala Criminal do Tribunal da Comarca do Huambo, prolactado a 08 de Abril de 2020, na pena de dois anos de prisão efectiva e a indemnizar o ofendido por danos não patrimoniais, no montante de kz. 500 000,00 (quinhentos mil Kwanzas), pela prática, em autoria imediata e material, de um crime de homicídio simples, na forma frustrada, p. e p. nos termos conjugados dos artigos 349.º, 104.º n.º 1 e 10.º, todos do Código Penal de 1886, em vigor à data da prática dos factos e da decisão condenatória, tendo o Tribunal atenuado extraordinariamente a pena, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 94.º do citado Código.
Inconformado, interpôs o competente recurso ordinário para o Tribunal Supremo, com objecto fixado nos termos dos artigos 660.º n.º 2, 664.º, 684.º n.º 3 e  690.º n.º 1, todos do CPC, aplicáveis ex vi do § único do artigo 1.º do CPP de 1929: “Nestes termos (…) se requer (…) que seja: a) suspensa a execução da pena aplicada pelo tribunal a quo, ou anulada e proferida nova decisão que altere o Acórdão aplicando pena correccional, nos termos do art.º 88.º do Código Penal”. 
Julgado o recurso, a 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, por Acórdão datado de 28 de Março de 2024, confirmou a decisão recorrida no que concerne à matéria objecto de recurso, não obstante tenha aplicado retroactivamente o Código Penal Angolano (CPPA), conforme impõe o n.º 2 do artigo 2.º do mesmo diploma legal. 
Ainda inconformado, o Recorrente interpôs, para esta Corte Constitucional, recurso extraordinário de inconstitucionalidade, arguindo que o Acórdão da 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, ao negar provimento ao recurso interposto da decisão da 3.ª Secção da Sala Criminal do Tribunal da Comarca do Huambo, fere a garantia constitucional da presunção de inocência, consagrada no n.º 2 do artigo 67.º da CRA, bem como os direitos à defesa, ao contraditório e a julgamento justo e conforme, plasmados no n.º 1 do artigo 29.º, no n.º 1 do artigo  67.º, no artigo  72.º e o n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA. Alega, ainda, a violação do princípio processual da descoberta da verdade material (princípio do inquisitório), ínsito no n.º 1 do artigo 145.º do CPPA, o qual tem acolhimento constitucional através da consagração do direito ao due process of law, consignado no artigo 72.º da CRA.
Destarte, cabe a esta Corte Constitucional apreciar e concluir se assiste, ou não, razão à pretensão do Recorrente. 
a) Sobre a violação dos direitos ao contraditório, à ampla defesa e a julgamento justo e conforme
Alega o Recorrente que o Acórdão em crise viola os direitos constitucionalmente consagrados à ampla defesa, ao contraditório e a julgamento justo e conforme, estatuídos no n.º 1 do artigo 67.º e no artigo 72.º, ambos da CRA, porquanto a audição de uma testemunha por si arrolada foi, reiteradamente, indeferida, tanto durante a instrução como durante o julgamento, bem como lhe foi negado, repetidamente, o direito de consignar as suas declarações em acta durante a audiência, sendo, em contraste, consignadas todas as declarações do ofendido.
Assistir-lhe-á razão?
O direito ao contraditório, autêntico substrato do direito à defesa e pressuposto de um processo justo e equitativo, tem assento constitucional no n.º 4 do artigo 29.º, no n.º 1 do artigo 67.º, no artigo 72.º e no n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA, e impõe que seja dada oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que lhe afecte, designadamente, que seja dada ao arguido a efectiva possibilidade de contrariar e contestar as teses da acusação. Promover o contraditório é, inclusive, um dever inerente ao exercício da função de julgar. Como refere Jorge de Figueiredo Dias, cabe “(…) ao juiz penal (…) cuidar, em último termo, do conseguimento das bases necessárias à sua decisão, não deve ele, todavia, levar a cabo a sua actividade solitariamente, mas deve, para tanto, ouvir, quer a acusação, quer a defesa (…)” (Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974 (reimp. 2004), p. 149). 
O direito constitucional ao contraditório, revela-se um princípio transversal ao processo, tal como sustenta Adlezio Agostinho, quando diz que “O princípio do contraditório garante que o tribunal deve assegurar, durante todo o processo, um estatuto substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicação de comunicações ou sanções processuais. As partes devem, pois, possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres perante o Tribunal. O direito do contraditório estipula a regra de que nenhum conflito é decidido sem que à outra parte seja dada a possibilidade de deduzir oposição.” (Manual de Direito Processual Constitucional Princípios Doutrinários e Procedimentais sobre Garantias Constitucionais, AAFDL, 2023, pág. 403).
Sustenta Eduardo Sambo que o princípio do contraditório ou da contraditoriedade está consagrado, no âmbito do Código de Processo Penal, tanto nas fases de instrução como no julgamento e que um dos princípios que resultam da estrutura contraditória é, precisamente, o princípio da audiência, (…) importante expressão do princípio do contraditório.” Outro dos princípios que se extrai do princípio do contraditório é o princípio da contestação, segundo o qual o arguido tem o direito de contestar os factos alegados contra ele, assim como requerer diligências de prova e, à prova da acusação, contrapor com a prova da defesa” (Manual de Direito Processual Penal Angolano, Vol. I, 2022, págs. 106 e 107). 
É incontornável que o direito ao contraditório se encontra imbricado no princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, tal como com o direito a  julgamento justo e conforme, previstos no n.º 1 do artigo 29.º, no artigo 72.º e no n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA, que proíbem as situações de indefesa ou violações da igualdade ou proporcionalidade e na prolacção de decisões surpresa, garantindo a participação efectiva dos litigantes no desenvolvimento de toda a lide, de forma a poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. 
De resto, este Tribunal já teve oportunidade de enfatizar a importância do direito ao contraditório como um dos mais preponderantes na defesa dos direitos fundamentais, nos seus Acórdãos n.ºs 518/2018, 536/2019 e 597/2020, entre outros. Vide www.tribunalconstitucional.ao. 
Assevera Benja Satula que “(…) a consagração constitucional do princípio do contraditório concretiza satisfatoriamente uma das garantias mais persecutórias da defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana” (O Estatuto do Arguido em Angola – Análise do Paradigma, UCP Editora, 2024, pág. 315).
No que concerne ao direito à ampla defesa, corolário que é do direito constitucionalmente consagrado a um processo equitativo, previsto no n.º 4 do artigo 29.º da CRA, o seu exercício é, de acordo com o n.º 1 do artigo 67.º da CRA, garantido a todo e qualquer arguido (reforçado, ainda, pelo direito a julgamento justo e conforme, plasmado no artigo 72.º da CRA). 
Tal garantia decorre, desde logo, de instrumentos normativos internacionais, sendo uma obrigatoriedade para qualquer processo penal de base acusatória, ainda que temperado por um princípio de investigação. O artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e a alínea c) do artigo 7.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP), ao assegurarem o direito à ampla defesa, enformam a própria Constituição e sua interpretação, por via do disposto no n.º 2 do seu artigo 26.º da CRA. 
Como informa Mamadú Embaló “(…) o processo penal deve assegurar aos suspeitos / acusados as mais amplas garantias de defesa em ordem à realização da justiça em cada caso” (Garantias do Processo Penal, in Paulo Pinto de Albuquerque (Org.), Comentário da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e do Protocolo Adicional, Universidade Católica Editora, 2020, pág. 505).
Aponta Benja Satula que o estatuto do arguido compreende “o direito de o arguido estar numa situação de reciprocidade dialéctica face à acusação e implica a atribuição dos mesmos meios e faculdades legais de intervenção no processo, que compensem a desigualdade de armas entre a acusação e o arguido. (…) Nesta perspectiva, o direito de defesa aparece como um marco transversal e núcleo essencial do estatuto do arguido, abarcando todos os direitos, faculdades e poderes conferidos pela Constituição, instrumentos internacionais e Código do Processo Penal, pois aí (…) onde este direito não existir, não se pode falar em processo penal equitativo ou devido processo penal” (O Estatuto do Arguido em Angola – Análise do Paradigma, UCP Editora, 2024, págs. 305-307).
Jorge Miranda e Rui Medeiros confirmam que o direito à ampla defesa comporta “(…) Todos os meios que, em concreto, se mostrem necessários para que o arguido se faça ouvir pelo juiz, sobre as provas e razões que apresenta em ordem a defender-se da acusação que lhe é movida. (…) O direito a uma ampla e efectiva defesa não respeitam, apenas, à decisão final, mas a todas as que impliquem restrições de direitos ou possam condicionar a solução final do caso.” (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2.ª ed., UCP Editora, 2017, pág. 515).
Compulsados os autos, verifica-se que o Recorrente constituiu mandatário legal, praticou, através deste, actos processuais que materializaram a sua defesa e contraditório, teve oportunidade de pleitear em igualdade de armas com o Ministério Público, bem como de carrear os elementos de prova que julgou necessários para efectivar a sua contradita e a ampla defesa na lide, tanto em 1.ª Instância como em sede de recurso.
Outrossim, não constam dos autos quaisquer requerimentos de junção ou produção de prova que hajam sido desatendidos, bem como não consta da acta de audiência de discussão e julgamento (fls. 77-85), assinada pelo advogado do Recorrente, menção a qualquer requerimento, decisão ou protesto verbal que indiquem que este solicitou, sem sucesso, que declarações por si prestadas em audiência fossem consignadas, conforme orienta a alínea g) do n.º 2 do artigo 410.º do CPPA.
Neste contexto, não transparece dos autos que as garantias de defesa e do exercício do contraditório do ora Recorrente lhe tenham sido restringidas ou coarctadas, pois não há quaisquer evidências de que não tenha sido ouvido quando o devesse ser, que haja requerido prova sendo-lhe indeferido o requerimento, ou que lhe tivesse sido negada a possibilidade de contradizer, contra-examinar ou alegar em qualquer fase processual ou instância.
O Recorrente teve, em cada momento e ao longo de todo o processo, oportunidade de intervir na causa e participar, de modo activo, procurando influenciar a decisão e convencer o Julgador da bondade da sua posição, quer no que concerne aos factos, quer em relação à respectiva qualificação jurídica, o que demonstra o exercício de ampla defesa e do contraditório, em igualdade de circunstâncias e de justas oportunidades.
Outrossim, o objecto do recurso interposto para a 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, fixado nos termos dos artigos 660.º n.º2, 664.º, 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC, aplicáveis ex vi do n.º 2 do artigo 3.º do CPPA, consiste, unicamente, na reapreciação da ponderação entre as circunstâncias atenuantes e agravantes, com vista à aplicação da pena de substituição de suspensão de execução da prisão ou, em alternativa, revogação da pena concreta aplicada e aplicação de pena correccional (3 meses a 2 anos de prisão). 
Deste modo, o recurso interposto foi delimitado a uma questão específica da decisão recorrida, pelo que tem aqui aplicação a excepção da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 464.º do CPPA, conjugada com o disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 465.º do CPPA, relativos à limitação do âmbito do recurso por iniciativa do Recorrente.
Não se verifica, assim, no Acórdão recorrido, qualquer violação dos direitos ao contraditório, à ampla defesa e a julgamento justo e conforme, invocados pelo Recorrente e consignados no n.º 1 do artigo 29.º, no n.º 1 do artigo 67.º, no artigo 72.º e no n.º 2 do artigo 174.º, todos da CRA. 
O Recorrente alega, também, que tanto o Tribunal da 1.ª Instância como a 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, negligenciaram o princípio da descoberta da verdade material (consubstanciado no princípio da legalidade, previsto no n.º 2 do artigo 6.º da CRA) e o direito a julgamento justo e conforme, consignado no artigo 72.º da CRA. 
Ora, tal como referido supra, o objecto do recurso no âmbito do qual foi proferido o Acórdão em crise foi limitado à questão da pena concreta aplicada, de tal sorte que o Recorrente não impugnou, junto do Tribunal Supremo, nem a matéria de facto, nem a respectiva qualificação jurídica atribuída pela 1.ª instância. 
Estando, pois, o objecto do recurso limitado à questão da determinação da pena e não se colocando em crise a subsunção dos factos provados, tanto no que respeita às categorias dogmáticas do crime, como às circunstâncias agravantes e atenuantes gerais, não cabia à 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo apreciar a observância do princípio da verdade material nem ordenar produção de prova adicional, sendo bastante, para decidir da matéria controvertida em sede recursória, a reapreciação da prova produzida em 1.ª instância.      
 
Em conformidade, tendo o presente recurso por objecto a Decisão do Tribunal ad quem, nos exactos termos em que foi exarada, e não tendo a mesma, por efeito da delimitação do âmbito do recurso, abordado as questões de facto e de direito que o Recorrente ora alega, não compete a esta Corte Constitucional apreciar da inconstitucionalidade da decisão no que concerne à alegada violação do princípio da verdade material.
b) Sobre a violação do princípio da presunção de inocência (in dubio pro reo)
O Recorrente alega que a decisão da 3.ª Câmara Criminal do Tribunal Supremo enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da presunção de inocência, rectius, por violação do in dubio pro reo, previsto no n.º 2 do artigo 67.º da CRA, fundamentando a sua tese no facto de ter sido condenado pelo crime de homicídio simples, na forma frustrada, não obstante não constarem dos autos elementos de prova suficientes para preencher a tipicidade objectiva e subjectiva da  facti species em causa, não sendo, assim, possível ultrapassar o estádio de dúvida razoável acerca dos factos objecto do processo.
O princípio jurídico fundamental do direito penal in dubio pro reo, corolário que é do princípio constitucional da presunção de inocência (n.º 2 do artigo 67.º da CRA), é uma garantia constitucional com incidência processual penal que assegura que, subsistindo dúvida razoável acerca da culpabilidade do arguido (dúvida acerca dos factos a subsumir em qualquer uma das categorias dogmáticas do crime), deve decidir-se em favor do arguido e não em seu desfavor.
Revestindo o processo penal angolano uma matriz essencialmente acusatória, temperada por um princípio de investigação, é na intercepção entre os princípios da verdade material, do acusatório e da livre apreciação da prova que se pode encontrar o in dubio pro reo. Não seria justo que, permitindo-se às partes juntar qualquer meio de prova que a lei não proíba, podendo o tribunal promover autonomamente diligências para a descoberta da verdade material (atentos os limites do objecto do processo) e podendo apreciar e valorar a prova, em princípio, de acordo com a sua livre convicção, subsistindo dúvida razoável sobre a culpabilidade, o arguido fosse condenado. Cfr. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio Pro Reo, Almedina, 2019, págs. 60 e ss., e Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português – Volume I: Noções Gerais - Sujeitos Processuais e Objecto, Universidade Católica Editora, 2013, pág. 93. 
O in dubio pro reo é um pressuposto incontornável de qualquer ordenamento jurídico orientado pelo valor da liberdade individual. Refere Giuseppe Bettiol que “quando há um conflito entre ius puniendi e ius libertatis, o Estado deve inclinar-se a favor deste, pois que tal significância assenta na efetivação e consagração do triunfo da liberdade” (Instituições de Direito e Processo Penal, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1974, pág. 295).
Este princípio relaciona-se, então, com a problemática da legitimidade punitiva do Estado e da descontinuidade do ius puniendi, designadamente quando subsista uma situação de dúvida acerca da prova da prática dos factos ilícitos. Só a efectiva violação ou colocação em perigo de bens jurídico-penais ou a inequívoca perigosidade, factualmente demonstrada, em relação a eles legitima a intervenção penal, quer através da aplicação de penas quer das medidas de segurança. Vide Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio pro Reo, Almedina, 2019, págs. 69 e ss. 
Assim, o in dubio pro reo significa que, chegando-se a um non liquet, este deve ser valorado pro reo, i.e., o princípio demanda que o tribunal, caso não logre (ou não deva lograr segundo regras da lógica dedutiva) formar convicção acerca dos factos que constituem o objecto do processo, dê a acusação como não provada e, consequentemente, decida a favor do arguido. Cfr. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974 (reimp. 2004), pág. 213. 
No mesmo sentido apontam Gomes Canotilho e Vital Moreira que, partindo da afirmação de que o in dubio pro reo é um corolário do princípio da presunção de inocência, que “(…) Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.” (Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 519).
Haverá razões para considerar que o Acórdão recorrido violou este princípio decisório?
Para apreciação da constitucionalidade da decisão recorrida, no que à violação do in dubio pro reo diz respeito, não pode o Tribunal Constitucional substituir-se ao Tribunal a quo, fazendo uma nova apreciação da matéria de facto (nomeadamente do acervo probatório) e emitindo um novo juízo acerca dessa matéria, de molde a confirmar ou infirmar a convicção vertida na decisão recorrida.
Não é, pois, esta Corte Constitucional mais uma instância de recurso de apelação, como se de uma instância da jurisdição comum se tratasse. Vide Adlézio Agostinho, Manual de Direito Processual Constitucional, AAFDL, 2023, págs. 758 a 774, e Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional, Tomo II – O Direito do Contencioso Constitucional, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2011, pág. 619. 
As competências do Tribunal Constitucional decorrem das disposições conjugadas dos artigos 181.º da CRA e 16.º da Lei n.º 2/08, de 17 de Junho (redacção dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro), e consistem, estritamente, em administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, pelo que não pode esta Corte proceder à reapreciação e valoração das provas produzidas nos autos.
Ora, o Recorrente fundamenta a sua tese no facto de ter sido condenado em 1.ª Instância e ter visto a decisão confirmada em sede de recurso, malgrado não ter sido produzida prova bastante dos factos e do crime objecto do processo, o que, forçosamente, deveria conduzir, tanto o Tribunal da 1.ª Instância como o Tribunal ad quem, a um estado de dúvida e não ao juízo de certeza acerca da responsabilidade penal do arguido pelo crime em causa. Para o Recorrente, a matéria de facto dada como provada é, clara e inequivocamente, insuficiente para fundamentar a decisão de direito.
Todavia, estando o objecto do recurso no qual foi prolactada a decisão recorrida limitado à questão da determinação da pena e não se colocando em crise a prova ou a subsunção dos factos provados, mais não cabia à 3.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo do que ajuizar das razões pelas quais o tribunal de 1.ª Instância aplicou uma dada pena concreta.
Deste modo, o Acórdão em crise não viola o princípio da presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmado no n.º 2 do artigo 67.º da CRA, não incorrendo, neste particular, em qualquer inconstitucionalidade. 
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE INCONSTITUCIONALIDADE, POR NÃO SE VERIFICAR QUALQUER VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS, DIREITOS, LIBERDADES OU GARANTIAS, INVOCADOS PELO RECORRENTE.
Custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 3 de Junho de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente) 
Amélia Augusto Varela
Carlos Alberto B. Burity da Silva (Relator) 
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo 
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi