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ACÓRDÃO N.º 999/2025
PROCESSO N.º 1234-B/2024
Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade
Em nome do Povo, acordam, em Conferência, no Plenário do Tribunal Constitucional:
I.  RELATÓRIO
Lanvu Amélia Anael, melhor identificada nos autos, veio ao Tribunal Constitucional interpor o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade do Acórdão proferido pela 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, a 8 de Agosto de 2024, no âmbito do Processo n.º 2654/19, que deu provimento e, consequentemente, revogou a Decisão do Tribunal a quo que lhe era mais favorável. 
A Recorrente inconformada com a Decisão prolactada no Acórdão sindicado, regularmente notificada, deduziu as suas alegações invocando, essencialmente, que:
1. O Tribunal Supremo, na apreciação do recurso a si interposto, delimitou correctamente duas questões: saber se a sentença do Tribunal a quo violou as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC e; se pode ser atendida a União de Facto por Ruptura para efeitos patrimoniais, nos termos do artigo 1258.º do Código Cível (CC) e se a Apelada é ou não a única proprietária do imóvel.
2. Com efeito, sobre o primeiro grupo de questões o Tribunal ad quem indeferiu e, por outro lado, deu provimento ao segundo grupo de questões por ter atendido à união de facto por ruptura para efeitos patrimoniais e considerado que a posse do imóvel em litígio pertence a ambos em regime de compropriedade.
3. O atendimento da união de facto por ruptura motivou a revogação da decisão proferida pela 3.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, o que torna a decisão inconstitucional e ilegal porque viola o princípio do Estado de Direito, na vertente do princípio da legalidade (artigo 6.º n.º 2) e da segurança jurídica (artigo 2.º), bem como o direito a um julgamento justo e conforme (artigo 72.º), todos da CRA.
4. A base para a Decisão do Tribunal ad quem foi a sentença da 2.ª Secção da Sala de Família do Tribunal da Comarca de Luanda que atendeu a união de facto por ruptura para efeitos patrimoniais.
5. Mostrou-se sempre surpreendida com a sentença da Sala de Família, porquanto, não foi notificada da mesma nem tão pouco terá transitado em julgado.
6. O Tribunal Supremo, face a dúvida sobre se terá ou não a sentença transitado em julgado, oficiou a Sala de família, solicitando a certidão de sentença e a nota de notificação feita as partes.
7. Compulsados os autos, percebe-se que a Sala de Família não respondeu ao Tribunal Supremo e também não juntou as respectivas notificações assinadas pelas partes.
8. Apesar disso, o Tribunal Supremo ignorou o que estabelece a lei em caso de dúvida em matéria probatória e decidiu considerar a sentença como definitiva e transitada em julgado.
9. Neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, ao ter decidido a favor da outra parte numa questão em que revelou dúvidas, contraria as normas que obrigam o tribunal a decidir contra a parte onerada com a prova, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 342.º, conjugado com o artigo 346.º, ambos do CC, o que torna, entretanto, a decisão inconstitucional, por violação do principio da legalidade e de Estado de Direito, na vertente da segurança jurídica, bem como na violação do direito a julgamento justo e conforme.
10. Apenas foi notificada da sentença proferida pelo Tribunal de Família, no dia 5 de Setembro de 2024, e interpôs recurso de apelação com efeito suspensivo no dia 9 de Setembro de 2024, por isso, em seu entender a sentença não transitou em julgado.
11. Neste contexto, não tendo a sentença transitado em julgado, o Acórdão proferido pelo Tribunal Supremo, de acordo com a lei processual, não poderia ser utilizado para decidir um conflito, uma vez que, a decisão ainda podia ter sido alterada em sede de recurso.
Conclui, requerendo, que o presente recurso tenha provimento, por considerar que o Acórdão recorrido está em desconformidade com a Constituição e a Lei. 
O processo foi à vista do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.
II.  COMPETÊNCIA 
O presente recurso foi interposto nos termos e com os fundamentos previstos na alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC).
Além disso, foi observado o princípio do prévio esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos nos tribunais comuns, conforme o estatuído no parágrafo único do artigo 49.º da LPC, pelo que tem o Tribunal Constitucional competência para decidir este recurso.
III.  LEGITIMIDADE
A Recorrente é apelada no Processo n.º 2654/19, que correu termos na 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo e não viu o seu pedido atendido. Por essa razão, tem legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC.
IV.  OBJECTO
O presente recurso tem por objecto verificar se o Acórdão prolactado pela 1.ª Secção da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, no âmbito do Processo n.º 2654/19, ofendeu princípios e direitos consagrados na Constituição da República de Angola, mormente os princípios da legalidade, da segurança jurídica e o direito a julgamento justo e conforme. 
V.  APRECIANDO
Cronologicamente, os autos reportam que a Recorrente, a 4 de Março de 2015, na 3.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, propôs uma acção especial de restituição de posse contra John Simão com quem viveu por mais de 19 anos, em comunhão de cama, mesa e habitação. 
Foi objecto do litígio um terreno no qual foi edificado um prédio urbano de rés-do-chão, inscrito a favor da Recorrente, na matriz predial urbana sob o n.º 1824, do 1.º Bairro Fiscal de Luanda, descrita na Conservatória do Registo Predial da Comarca de Luanda sob o n.º 4022, a fls. 129 do livro B-16, sito na rua Capelo Ivens n.º 19, em Luanda. 
O Tribunal a quo, após ponderação de todas as circunstâncias e provas carreadas, decidiu por Sentença de 1 de Março de 2019, declarar procedente os pedidos e, em consequência, condenou o réu a restituir à autora, aqui Recorrente, o imóvel objecto do litígio e a pagar uma indemnização no valor equivalente em kwanzas a USD. 84 000,00 (Oitenta e quatro mil dólares norte americanos). 
Entretanto, dessa decisão o apelante interpôs um recurso ordinário para o Tribunal Supremo que, com base na apreciação de nova prova, designadamente uma Sentença da 2.ª Secção da Sala de Família do Tribunal Provincial de Luanda, revogou a decisão do Tribunal a quo, tendo a Recorrente ficado vencida. 
Em razão disso, a Recorrente interpôs nesta Corte Constitucional, o presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, alegando que a Decisão recorrida ofendeu princípios e direitos consagrados na Constituição da República de Angola, mormente os princípios da legalidade (artigo 6.º n.º 2), da segurança jurídica (artigo 2.º) e o direito a julgamento justo e conforme (artigo 72.º), todos previstos na CRA.
A Constituição da República de Angola estabelece que o Estado se funda no primado da Constituição e da lei, na soberania popular e na promoção e defesa dos direitos e liberdades fundamentais, consagrando Angola como um Estado Democrático de Direito. 
Este modelo constitucional impõe a observância, entre outros, dos princípios da legalidade, da segurança jurídica e do julgamento justo e conforme, que asseguram a previsibilidade da actuação dos poderes públicos, a protecção da confiança dos cidadãos e a efectivação da justiça. Esses princípios constituem pilares estruturantes da ordem jurídica constitucional e vinculam todos os órgãos do Estado, devendo ser assegurados em qualquer actuação administrativa ou jurisdicional.
Na situação em tela, verifica-se que o fundamento da violação dos princípios e direitos constitucionais mencionados pela Recorrente, radicam na mesma situação, ou seja, na alegação de que a sentença da Sala de Família não lhe foi notificada e, consequentemente, em seu entender não transitou em julgado. 
Neste diapasão, cabe ao Tribunal Constitucional sindicar se o Acórdão recorrido violou os princípios da legalidade, da segurança jurídica e do direito a julgamento justo e conforme, como alegadamente defende a Recorrente.
Veja-se:
O princípio da legalidade está consagrado no n.º 2 do artigo 6.º da CRA, o que pressupõe que a actuação de todos os órgãos estaduais se subordine à Constituição e se funde na legalidade, o que constitui não apenas matriz dominante do Estado Democrático de Direito, mas também corolário da segurança jurídica e da garantia de protecção dos direitos fundamentais. No que respeita à actividade jurisdicional, este princípio encontra-se reflectido nos artigos 175.º e 179.º n.º 1 da CRA, traduzindo o imperativo da vinculação desta actividade à lei, incluindo a Lex Mater, configurando pressuposto necessário à boa administração da justiça.
Todavia, o processo de interpretação da norma jurídica, subjacente à Decisão judicial em crise, deverá, assim, ser orientado em face da supremacia da Constituição (n.º 2 do artigo 6.º e artigo 226.º, ambos da CRA), a partir do texto constitucional e já não da lei ordinária, cujos parâmetros de aferição da sua validade deverão estar em conformidade com a Lei Mãe. 
Por outra parte, esta orientação materializa a ideia da compreensão do direito a partir das regras e dos princípios constitucionais e a consequente admissibilidade de normas principiológicas, que permitem ao julgador, ante o caso concreto, encontrar a solução que melhor configure a tutela jurisdicional materialmente adequada aos interesses em conflito.
Ora, como se pode assacar da Decisão recorrida (fls.724 e 725), “aquando da prolacção da sentença e apresentação das alegações, corria na 2.ª Secção da Sala de Família do Tribunal Provincial de Luanda, Acção de Reconhecimento de União de Facto por Ruptura, intentada pelo Apelante.” 
Pois, é verificável que a sentença da Sala do Cível e Administrativo datada de 2 de Agosto de 2019, foi diferida quando já decorria a acção de reconhecimento da união de facto por ruptura, na qual a Recorrente interveio apresentando contestação, tendo esta sido decidida a 10 de Março de 2020.
Destarte, já em sede do recurso ordinário no Tribunal Supremo e, com a Sentença da Sala de Família junta aos autos, o Juiz ad quem, com fundamentos nos artigos 524.º e 706.º do CPC, atendeu por se mostrar um documento objectivamente superveniente e por conter nos autos uma certidão (fls. 651), confirmando o trânsito em julgado da Sentença que atendeu a união de facto por ruptura para efeitos patrimoniais. 
Com efeito, destes fundamentos da Decisão do Aresto recorrido, infere-se que o Tribunal ad quem fez uma apreciação legal condizente ao princípio da legalidade, por estar em conformidade com a Constituição e a lei, porquanto, o atendimento de documentos supervenientes, a sentença (fls. 465 a 476), respeitou os artigos 524.º e 706.º, ambos do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo constitucional, ex vi, do artigo 2.º da LPC.
Ademais, quanto ao trânsito em julgado da sentença da Sala de Família do Tribunal Provincial de Luanda, o Tribunal ad quem diligenciou junto ao Tribunal a quo (Sala de Família), tendo obtido uma certidão (fls. 698), que atesta que a referida sentença transitou em julgado no dia 23 de Junho de 2020, muito antes da apreciação do recurso em sede do Tribunal Supremo. Revelam os autos, que nesta data já o Tribunal ad quem tinha decidido o recurso da sentença proferida pela Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, o que revela que o acto por esta praticado era extemporâneo. 
Nos termos do artigo 677.º do CPC, a decisão considera-se transitada em julgado quando contra ela não cabe recurso, tornando-se, assim, definitiva e imutável. Uma vez transitada em julgado a decisão proferida na jurisdição comum, esta torna-se igualmente insusceptível de recurso extraordinário de inconstitucionalidade no âmbito do mesmo processo. 
Ainda como princípio concretizador do Estado de Direito, ergue-se o princípio da segurança jurídica, donde se descortina “(…) duas dimensões, de natureza objectiva e subjectiva. O mesmo pretende servir os valores da boa-fé nas relações do Estado com os particulares, da regularidade de toda a actuação estadual, da previsibilidade e da protecção das expectativas legitimamente sedimentadas pelos cidadãos”, como assevera Jónatas E. M. Machado e Outros (Direito Constitucional Angolano, 4.º ed., Lisboa: Petrony Editora, p. 67). Este princípio implica a necessidade da publicação das decisões jurídico-públicas, não podendo haver decisões que não sejam previamente notificadas às partes.
Sobre o direito a julgamento justo e conforme, este constitui o corolário exponencial da concretização de amplas garantias processuais atribuídas aos indivíduos nas litigâncias judiciais, assegurado, por uma dinâmica interventiva reconhecida aos sujeitos na defesa dos seus lídimos direitos, na igualdade de armas e na efectivação de um julgamento imparcial, independente, célere equânime e justo, que propicie sociedades mais seguras e confiantes na justiça social. 
Deveras, o Acórdão n.º 840/2023 desta Corte, prolactado a 22 de Agosto defende o seguinte entendimento: “seguindo a matriz constitucional angolana, o direito a julgamento justo e conforme, previsto no artigo 72.º da Constituição, está vocacionado para assegurar de forma ampla o cumprimento de todas as garantias processuais na relação entre o indivíduo e o tribunal. Este princípio – garantia é peculiar aos processos judiciais para que se efective a equidade, a imparcialidade e a obtenção das decisões judiciais em prazo razoável” (www.tribunalconstitucional.ao).
Portanto, não cabe razão à Recorrente ao alegar que a Decisão recorrida tenha violado o princípio da segurança jurídica e o direito a julgamento justo e conforme, pois, transparece claramente dos autos que a mesma exerceu os necessários direitos, liberdades e garantias legais junto do Tribunal Supremo, mediante o recurso interposto, restrito à sentença da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal  Provincial de Luanda,  onde participou activamente e tomou contacto com as decisões proferidas, quer em sede do Tribunal a quo quer do Tribunal ad quem. 
Por outro prisma, e como ilustra a Decisão recorrida (fls. 719), o Tribunal ad quem delimitou o objecto do recurso ordinário, em duas questões a saber: 
1. “A decisão recorrida deve ou não ser declarada nula por violação da al. b), c) e d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC?
2. Se pode ser atendida a União de Facto por Ruptura para efeitos patrimoniais, nos termos do art. 1258.º do Código Civil e se a Apelada é ou não a única possuidora do imóvel?”.  
Partindo deste pressuposto, rezam os autos que a Recorrente não impugnou o primeiro grupo de questões por reconhecer ter sido correctamente delimitado pelo Tribunal ad quem, aliás, estas foram indeferidas pelo Tribunal Supremo. Todavia, impugnou o segundo grupo de questões, por isso, reside aqui o busílis do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade.
Neste contexto, patenteiam os autos, que foi apreciado em recurso ordinário, a Sentença da 3.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, no âmbito da acção especial de restituição de posse.
Na sequência, quando tudo parecia tender para a manutenção da Decisão do Tribunal a quo, porque todas as questões principais levantadas no recurso foram improcedentes, entretanto, a junção da Sentença da Sala da Família que, muito embora tenha julgado improcedente o pedido de reconhecimento da união de facto por ruptura, por não preencher o pressuposto da singularidade, atendeu a união de facto para efeitos patrimoniais para um período de vinte e dois anos.
Em virtude do atendimento da união de facto para efeitos patrimoniais, o Tribunal ad quem, revogou a Decisão do Tribunal a quo, tendo com efeito, declarado o imóvel em litígio propriedade de ambas as partes em regime de compropriedade.
A Lex Mater reconhece, no artigo 35.º, a família como núcleo fundamental da sociedade quer ela se funde em casamento ou em união de facto. 
Em termos de lei infraconstitucional, isto é, a Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro, que aprova o Código da Família (CF), define a união de facto como o estabelecimento voluntário em comum entre um homem e uma mulher (artigo 112.º do CF).
Segundo Maria do Carmo Medina, “perante uma determinada união de facto, duas situações distintas podem ocorrer: ou ela preenche os pressupostos previstos na lei, e nesse caso a união de facto é susceptível de ser reconhecida, ou não os preenche e então ela não poderá ser reconhecida, sem embargo de poder produzir determinados efeitos legais, e como tal ser atendida pela lei” (Direito de Família, 2.ª ed. Actualizada, Lobito: Escolar Editora, 2013, p. 352).
Neste contexto, embora a sentença proferida pela Sala de Família, que serviu de base para o Tribunal Supremo introduzir um viés no fundamento central da sua Decisão, não ter sido atendida por falta do pressuposto da singularidade (artigo 113.º n.º 1 do CF), foi, todavia, admitida para efeitos patrimoniais. 
Cumpre salientar que, nos casos em que a união de facto é atendida para efeitos patrimoniais, como sucede nos presentes autos, os efeitos se restringem aos previstos na segunda parte do artigo 113.º do CF.
Atendida a união de facto, o Tribunal ad quem, após apreciar a natureza e regime da posse, concluiu provado que “as partes construíram o imóvel na pendência da relação e, embora este se encontrasse registado em nome da Recorrente, ambos detinham o animus e o poder físico sobre o mesmo. 
A posse é definida no artigo 1251.º do CC, como o “poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
Com estes fundamentos, entendeu o Tribunal ad quem (conforme fls. 727) “que a posse sobre o imóvel em litígio, cabia a Apelada e ao Apelante, estando, portanto, o imóvel, em regime de compropriedade, pelo que, em resultado do reconhecimento da união de facto por ruptura para efeitos patrimoniais, perde a Apelada a propriedade exclusiva sobre o imóvel”. 
Relativamente a questão da posse, a Recorrente, nas suas alegações de recurso, não contrapõe a interpretação feita pelo Tribunal ad quem, pelo contrário ateve-se a apresentar fundamentos para dizer que a sentença da Sala de Família não transitou em julgado e que não foi do seu conhecimento.  
Assim, importa salientar que o Juiz ao julgar considera todos os aspectos intrínsecos à produção da prova e decide em consonância com o princípio da livre apreciação da prova, que deve ser observado no cumprimento de todos os formalismos e procedimentos legalmente previstos. 
Ora, como espelhado na sua jurisprudência, nos poderes de cognição desta Corte Constitucional não cabe proceder a um juízo de valoração fáctico concreto da controvérsia judicial nos termos em que se processa no plano da jurisdição comum. E isto na medida em que o Juiz, no processo de descoberta da verdade, tanto formal, como material, forma a sua convicção ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, ainda que tal não pressuponha, acentue-se, uma valoração arbitrária, infundada ou ilógica da matéria probatória (Vide Acórdão n.º 839/2023, disponível em www.tribunalconstitucional.ao).  
Em face do exposto, verifica-se que, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no ordenamento jurídico angolano, o Tribunal ad quem formou a sua convicção com base na análise objectiva dos elementos constantes dos autos, concluindo pela existência de união de facto entre as partes com efeitos patrimoniais.
Neste quadro, reconheceu-se que, embora o imóvel estivesse formalmente registado em nome da Recorrente, a construção do mesmo ocorreu na pendência da união de facto e com o contributo de ambos os companheiros da união, circunstância que traduz o exercício simultâneo e convergente da posse sobre o imóvel, nos termos do artigo 1251.º do Código Civil.
Dessa forma, e fundando-se na prova produzida e no animus comum demonstrado pelas partes, o Tribunal Supremo reconheceu que sobre o imóvel em litígio incide um regime de compropriedade, afastando, por conseguinte, a titularidade exclusiva anteriormente atribuída à Recorrente.
Assim, o Tribunal Constitucional tem entendido que, em face dos seus poderes de cognição, limitados que estão aos aspectos jurídicos constitucionais da Decisão impugnada, não lhe compete sindicar o processo de formação da livre convicção do Tribunal, em face dos factos tidos como provados e não provados, desde que o conteúdo da Decisão judicial reflicta, lógica e racionalmente, dentro das balizas legais e do direito, a opção por um dado juízo decisório, validamente controlável e justificável (vide o Acórdão nº 821/2023, disponível em  www.tribunalconstitucional.ao).
Face a tudo exposto, conclui este Tribunal Constitucional que, contrariamente ao que a Recorrente alega, a Decisão revidada não ofendeu preceitos constitucionais nem violou os princípios da legalidade, da segurança jurídica e do direito a julgamento justo e conforme.
Nestes termos,
DECIDINDO
Tudo visto e ponderado, acordam, em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: NEGAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR NÃO SE VERIFICAR A VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA, NEM DO DIREITO A JULGAMENTO JUSTO E CONFORME.
Custas pela Recorrente, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional.
Notifique.
Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 4 de Junho de 2025.
OS JUÍZES CONSELHEIROS
Laurinda Prazeres Monteiro Cardoso (Presidente) 
Victória Manuel da Silva Izata (Vice-Presidente) 
Amélia Augusto Varela 
Carlos Alberto B. Burity da Silva
Carlos Manuel dos Santos Teixeira
Emiliana Margareth Morais Nangacovie Quessongo 
Gilberto de Faria Magalhães
João Carlos António Paulino
Lucas Manuel João Quilundo (Relator) 
Maria de Fátima de Lima D`A. B. da Silva
Vitorino Domingos Hossi